Há 18 anos, a Lei nº 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, representou um marco histórico na defesa de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.
O nome da lei é uma homenagem à farmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que foi vítima de duas tentativas de feminicídio e ficou paraplégica em razão de ter sido baleada nas costas pelo marido.
Em razão da demora na responsabilização penal do agressor, motivado pelos diversos recursos protelatórios do réu, o Estado brasileiro foi responsabilizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).
Entre as recomendações feitas pela OEA, o Brasil precisaria finalizar o processamento penal do responsável pela agressão contra Maria da Penha, indenizá-la simbólica e materialmente pelas violações sofridas e adotar políticas públicas voltadas à prevenção, punição e erradicação da violência contra a mulher.
Em que pese os crescentes avanços no assunto, não apenas em termos de legislação, mas de conscientização da população, depois de quase duas décadas da promulgação da lei, Maria da Penha sofre ataques de ódio nas redes sociais e vive sob proteção do Estado. O gatilho para esses ataques foi um documentário feito com base na tese da defesa do réu, Marco Antonio Heredia Viveros, refutada duas vezes pela Justiça, o qual sustenta que não houve tentativa de feminicídio, mas um assalto.
Esse movimento contrário à Maria da Penha ignora a palavra da vítima, as informações de que ela viveu um relacionamento abusivo, com maus tratos contra ela e as filhas durante anos, que ele tentou forçá-la a fazer um seguro de vida em que ele seria o beneficiário bem como que ele proibiu os familiares dela visitarem-na durante sua recuperação, ocasião em que ele tentou eletrocutá-la no chuveiro elétrico.
A reação das pessoas contra a Maria da Penha diz muito sobre como a sociedade brasileira ainda reage diante de uma mulher que denuncia a violência sofrida. A falta de crédito na palavra da mulher ainda é um marcante obstáculo enfrentado e que inibe o pedido de ajuda.
Importante lembrar que o medo de não serem creditadas em suas palavras e não conseguirem provar o alegado deixam as mulheres em situação maior de vulnerabilidade e representa um “cale-se!” A sociedade ainda se nega a acreditar na palavra da mulher.
É inegável os avanços e conquistas dos direitos das mulheres ao longo dos dezoito anos de vigência de uma das três melhores leis do mundo sobre o tema, segundo a ONU, mas a misoginia ainda sobrevive atacando as vítimas, mesmo após agressores serem julgados e condenados, na contramão da luta legítima que visa garantir às mulheres uma vida livre de violência. O fato é que enquanto não se descontruir a cultura do machismo, leis não serão suficientes para a erradicação da violência contra as mulheres.
Promotora de Justiça do Enfrentamento à Violência Doméstica e familiar contra a mulher
Mestre em Direito Penal pela PUCSP