AGOSTO LILÁS

GRUPOS REFLEXIVOS: HOMENS EM (DES)CONSTRUÇÃO

Atualmente, vivenciamos um crescimento de intervenções com homens autores de violências de gênero contra as mulheres no Brasil. No entanto, ainda há um longo caminho a ser construído e, neste sentido, Beiras et.al. (2014) trazem indagações importantes a serem consideradas. Entre elas, destaca-se a representação sobre o homem autor de violência reforçada como “perigoso”.

Como a justiça procede em relação a este homem? Se este é compreendido como “agressor”, então, a mulher é entendida como “vítima”? Como sair desta lógica dual: “vítima” e “agressor”, reforçada pelo contexto institucional e, também, legislativo, no caso da Lei Maria da Penha? Por meio das proteções judiciárias atribuídas às mulheres, reforça-se o lugar de passividade e vitimização a ela atribuído? Sendo o homem incorporado judicialmente como um criminoso, quais as possibilidades para este sujeito?

Compreende-se que estas indagações precisam ser consideradas com maior propriedade, uma vez que as intervenções com os homens autores de violência continuam sendo um desafio. Torna-se urgente olhar para o contexto que dá suporte a produção destas violências, pois além de institucionais, são também estruturais e simbólicas, estando presentes nas práticas institucionais, nas normas e legislações.

Para Goffman (1982, p. 14), os estigmas, tanto de “vítima” como de “agressor”, são rótulos que reduzem o olhar sobre o indivíduo como tal para caracterizá-los. Assegura que estes são constituídos a partir do que se julga, como as imperfeições do corpo, a dependência química, as doenças mentais, o desemprego, bem como a condição de réu, presidiário, agressor e assassino. O autor destaca, ainda, os estigmas de raça, origem, religião, entre outros. É necessário observar que estes estereótipos e estigmas atribuídos aos homens autores de violência podem estar presentes nas práticas institucionais dos operadores do direito, nas políticas públicas, no manejo das denúncias e nos encaminhamentos indicados para as situações de violências de gênero contra as mulheres.

 No âmbito das intervenções com grupos reflexivos para homens autores de violências, o uso das expressões “recuperação e reeducação” não é apropriado. Não se compreende que os homens devem ser “recuperados”, tampouco “reeducados”. Entende-se que são sujeitos constituídos em processos históricos, culturais e institucionais. Portanto, compreendê-los como sujeitos a serem “recuperados” implica em reduzir as violências de gênero contra as mulheres às práticas de um sujeito, de forma reducionista e unilateral.

Homens autores de violências são homens comuns, presentes em todos os contextos. No entanto, enfrentar as violências de gênero contra as mulheres requer o desenvolvimento de ações que permitam repensar os caminhos pelos quais são constituídas as masculinidades e as feminilidades. Os homens não devem ser tratados apenas como agentes agressores, mas como sujeitos de direitos, resultantes de construção histórica, cultural e institucional, que precisam ser acolhidos por toda a rede de serviços na perspectiva de construir relações de confiança para que possam, aos poucos, ressignificar suas masculinidades implicadas na produção das violências de gênero.

Os Grupos Reflexivos para homens autores de violências são uma estratégia essencial. Esses grupos oferecem um espaço para que os homens reflitam e repensem as relações de gênero e suas vivências cotidianas, produzindo outros sentidos e significados sobre a construção das masculinidades e da socialização masculina. A eficácia dos Grupos Reflexivos é reconhecida na literatura, com estudos mostrando que participantes desses grupos tendem a apresentar uma redução significativa na reincidência de comportamentos violentos.

Só é possível enfrentar as múltiplas formas de violências a partir da desconstrução das raízes que há edificam. Por isso os Grupos Reflexivos para os homens são instrumentos que proporcionam ressignificar sentidos de masculinidades de homens em desconstrução. 

Referências:BEIRAS, A.; MORAES, M.; ALENCAR, R.; CANTERA, E. L. Políticas e leis sobre violência de gênero: reflexões críticas. Psicologia & Sociedade,v. 24, p. 36-45, 2012. Disponível em http://www.scielo.br/pdf/psoc/v24n1/05.pdf. Acesso em: 20 jul. 2019. 

GOFFMAN, E. Estigma: Notas sobre a Manipulação da Identidade Deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.

[1] Doutora em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Regional de Blumenau (FURB); Idealizadora do Projeto profscleideericardo e criadora do Método Pró GR na Prática (interacao.rc@hotmail.com)   [2] Doutor em Serviço Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Professor do Departamento de Serviço Social da Universidade Regional de Blumenau (FURB); Idealizador do Projeto profscleideericardo e criador do Método Pró GR na Prática (interacao.rc@hotmail.com)

Cleide Gessele & Ricardo Bortoli

Assistentes Sociais e Doutores em Serviço Social
Mais de 22 anos de experiência profissional

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