Eu fui convidada para escrever um texto sobre “violência contra a mulher” e me pus a refletir sobre o tema. Embora seja minha área de atuação profissional, confesso que fiquei sem saber por onde começar. Sou Assistente Social de formação, sou mulher, sou mãe de três filhos (um com necessidades especiais) e tenho o privilégio de estar no mercado de trabalho e de exercer uma atividade profissional digna.
No entanto, a maioria das mulheres encontram dificuldades para se manter, tendo que se submeter a subempregos na luta para sustentar suas famílias, muito em razão da desigualdade de gênero que, infelizmente, permanece no Brasil e no mundo.
Mesmo a Constituição Federal, no seu artigo 5º, I, assegurando como direito fundamental que “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações”, as mulheres recebem um salário 21% menor que os homens. Essa realidade só faz ressaltar que a igualdade prevista na Lei Maior é apenas formal e está longe de ser colocada em prática.
Imersa em meus pensamentos sobre a realidade desigual da mulher, busco foco para manter o cerne da questão no Agosto Lilás, que, simbolicamente, representa a luta contra a violência doméstica e de gênero e que busca a conscientização da sociedade sobre a importância de extinguir a violência contra a mulher, promover a valorização dos direitos humanos das mulheres e provocar reflexão sobre a condição social feminina em uma sociedade moldada pela supremacia masculina, o chamado patriarcado.
As mulheres sofrem tantas violências que é necessário ir além das cores e dos símbolos para enfrentar a realidade crua e dolorosa que se esconde por trás dessa campanha. É impossível centrar apenas naquela que é visível, que produz marcas na pele, provoca invalidez, ou ceifa o bem maior e por isso está estampada nas manchetes dos jornais. O que muita gente não sabe é que grande parte do sofrimento feminino é calado, sufocado, não tem voz. Muitas vezes as dores que afligem as mulheres são invisíveis e as cicatrizes ficam na alma e ninguém consegue apagar.
Nós enquanto sociedade precisamos nos indignar e não normalizar as lágrimas derramadas, o coração partido e o grito de socorro muitas vezes não ouvido, essa dor tem que doer em mim, em você e em todos que se consideram civilizados.
A violência contra a mulher é uma ferida aberta que nunca cicatriza completamente. Cada agressão, cada abuso, cada palavra que fere, deixa uma marca indelével na alma das vítimas. Essa ferida aberta é um lembrete constante do sofrimento e da dor que a violência de gênero causa. A dor emocional e psicológica é profunda e pode levar anos para ser curada, mesmo com o apoio adequado.
E o pior, você não sabe, há casos, e não são poucos, em que a violência contra a mulher se esconde nas sombras, disfarçada em gestos que, à primeira vista, podem parecer amorosos. A manipulação emocional, o controle excessivo e a agressão verbal são formas sutis de violência que passam despercebidas ao olhar comum. Essa violência oculta é um mal silencioso que corrói a autoestima e a dignidade das mulheres, deixando cicatrizes profundas que não são visíveis a olho nu. A violência que se disfarça em amor é uma das formas mais insidiosas de abuso.
O agressor pode usar palavras doces e gestos carinhosos para justificar comportamentos controladores e abusivos. Essa dinâmica tóxica cria um ciclo de dependência emocional, onde a vítima pode acreditar que o abuso é uma manifestação de amor. Esse tipo de violência, que se esconde e se disfarça, provoca sofrimento tão silencioso ao ponto de não ser reconhecido nem mesmo pela própria vítima, o que dificulta a busca por ajuda.
A manipulação emocional e o controle excessivo são formas de violência que podem ser difíceis de identificar, mas que causam um impacto devastador na vida das mulheres. Esse golpe que dói sem dor é um lembrete de que a violência de gênero pode assumir muitas formas e que é necessário estar atento aos sinais de abuso. E, também, por isso que a campanha agosto Lilás é uma ferramenta fundamental para a conscientização social sobre a violência contra a mulher.
Porque é através de ações educativas, eventos e campanhas de comunicação que a sociedade é incentivada a reconhecer a violência de gênero como um problema coletivo e a agir de forma solidária e responsável.
No dia a dia do enfrentamento e combate à violência contra as mulheres nos deparamos com um grande desafio que é a subnotificação dos casos de violência. A subnotificação não apenas oculta a verdadeira dimensão do problema, como também dificulta a implementação de políticas públicas eficazes, perpetuando um ciclo de violência e impunidade.
A experiência no campo profissional revela que um grande número de vítimas opta por não denunciar os abusos por diversas razões, incluindo medo de represálias, vergonha, desconfiança nas instituições e carência de apoio social. Além disso, a estigmatização e a culpabilização das vítimas são elementos que contribuem para o silêncio. A sociedade tende a atribuir a responsabilidade pela violência às próprias vítimas, criando um cenário onde fazer a denúncia é visto como uma admissão de culpa.
A subnotificação dos casos, de violência contra as mulheres têm consequências devastadoras.
Em primeiro lugar, ela impede que as autoridades e as instituições tenham uma compreensão completa da magnitude do problema. Sem dados precisos, é difícil desenvolver políticas públicas que atendam às necessidades reais das vítimas. A falta de informação também dificulta a alocação de recursos e a criação de programas de prevenção e intervenção eficazes.
Além disso, a subnotificação perpétua a impunidade dos agressores. Sem denúncias, os ofensores continuam a agir sem medo de consequências legais, reforçando a cultura de violência e opressão. Sem deixar de considerar que a impunidade envia uma mensagem perigosa à sociedade: que a violência contra as mulheres é aceitável e que as vítimas não têm direito à justiça.
Para enfrentar a subnotificação da violência contra as mulheres, é necessária uma mudança profunda na cultura e nas estruturas sociais. Isso inclui a oferta de um ambiente onde as vítimas se sintam seguras e apoiadas para denunciar os abusos. As instituições devem ser confiáveis e acessíveis, oferecendo acolhimento sem prejulgamento, escuta qualificada e especializada, proteção e apoio às vítimas.
A necessidade de uma escuta qualificada e especializada, atendimento acolhedor e não prejulgamento é uma reflexão crítica sobre as falhas atuais no sistema de atendimento às vítimas de violência contra as mulheres. Posto que ainda hoje, as vítimas enfrentam barreiras significativas ao buscar ajuda, incluindo a falta de profissionais qualificados, ambientes hostis e prejulgamentos.
É necessário um compromisso contínuo e aprofundado com a formação e capacitação contínua dos profissionais de atendimento, supervisão e apoio às equipes técnicas que trabalham na linha de frente.
Por tudo isso é importante promover a educação e a conscientização sobre a violência de gênero. A sociedade deve ser educada sobre os direitos das mulheres e a importância de denunciar os abusos. É fato que desde que a lei Maria da Penha entrou em vigor conseguimos evoluir muito no combate à violência contra as mulheres, mas precisamos avançar muito mais e campanhas de conscientização, como o agosto Lilás, são passos importantes, no entanto, precisam ser acompanhadas por ações concretas e contínuas.
Assistente Social
MBA em Gestão de Projetos Sociais
Especialista em Garantia de Direitos
Pós-graduanda em Combate a Violência Doméstica