Agosto de 2024, Olimpíadas de Paris. Um evento que ficará marcado, entre outras coisas, pelo protagonismo das mulheres brasileiras no pódio olímpico. Essas mulheres compartilham a persistência e a resiliência necessárias para alcançar não apenas seus sonhos, mas também novas possibilidades de uma vida melhor para si e suas famílias.
Entre tantas atletas, uma delas chamou a atenção não por sua performance, mas por ter sido exposta internacionalmente através de uma denúncia de abandono parental feita por seu ex-marido. Essa situação é enfrentada diariamente por milhares de mulheres, mas o que merece destaque aqui é o fato de que, na história dos Jogos Olímpicos, nenhum pai foi acusado de abandonar os filhos por trabalhar como atleta para sustentá-los.
O “Agosto Lilás” é uma das campanhas mais importantes do Brasil, dedicada à conscientização sobre a violência contra a mulher e à promoção dos direitos femininos. Instituída para marcar o aniversário da Lei Maria da Penha, o movimento tem como objetivo, durante todo o mês, orientar, informar e mobilizar a sociedade contra a violência doméstica e familiar.
No dia 7 de agosto de 2024, a Lei Maria da Penha completou 18 anos de promulgação. Podemos comparar essa comemoração à de uma jovem prestes a completar seus 18 anos, um momento de celebração, transição e alegria. A Lei Maria da Penha deve ser celebrada com a mesma intensidade. E, embora os números de atos de violência de gênero ainda sejam assustadores, não podemos ignorar que esse aumento também reflete uma evolução legislativa e uma maior conscientização da sociedade sobre o tema nos últimos anos.
Desde sua criação em 2006, a Lei Maria da Penha tem sido um marco na proteção dos direitos das mulheres, oferecendo instrumentos legais essenciais para o enfrentamento da violência. Há 18 anos, quando uma mulher era vítima de violência doméstica, não havia nenhuma lei que a protegesse; a violência era tratada como um crime comum. A mulher que tinha a coragem de registrar um boletim de ocorrência se via obrigada a entregar pessoalmente a intimação ao agressor, convocando-o a prestar esclarecimentos sobre os fatos que ela mesma havia denunciado. De maneira absurda, ela assistia seu agressor utilizar todos os recursos legais para se reconciliar ou realizar acordos com o Ministério Público, pois os casos eram processados como crimes de menor potencial ofensivo, popularmente conhecidos como “pequenas causas”.
O “Agosto Lilás” não apenas celebra os avanços conquistados, mas também ressalta a necessidade contínua de combater todas as formas de violência contra a mulher. Essas formas de violência são múltiplas, explícitas ou não, podendo ocorrer por meio de um tapa, uma fala, calúnias, humilhações, coerção ou até mesmo pela falta de controle sobre os próprios bens. Atualmente, essas formas de violência são claramente definidas na lei, possibilitando que a mulher reconheça que a situação que vivencia é, de fato, um crime.
Atendimentos psicossociais realizados com agressores em cumprimento de medidas protetivas, por meio de grupos reflexivos, apontam que a grande maioria dos homens enxerga a violência física como a única forma de violência, considerando outros comportamentos como “normais” em um relacionamento. Esse entendimento é, em grande parte, resultado do machismo estrutural enraizado na sociedade, presente em diversas esferas, como a família, o trabalho e as relações afetivas.
Expressões como “isso é coisa de mulherzinha”, “macho não chora”, “isso não é trabalho de homem” ou “isso não é trabalho para mulher” são ouvidas desde a infância e reforçam o machismo estrutural, transmitindo esse comportamento de geração em geração. As crianças internalizam esses comportamentos como algo “natural” e, na vida adulta, reproduzem-nos, prejudicando principalmente as mulheres. Essas atitudes são reflexo da sociedade machista em que vivemos, e que demanda uma urgente desconstrução.
Se hoje os números de casos de violência contra a mulher aumentam, é, sem dúvida, porque as mulheres estão mais conscientes de seus direitos e procuram mais o sistema para combater esses crimes. Além disso, o próprio sistema, de forma geral, está aprendendo a entender e enquadrar esses fatos como violência de gênero, o que, consequentemente, aumenta as estatísticas.
O caminho ainda é longo, e a jovem Lei Maria da Penha, recém-ingressa na vida adulta, ainda tem muito a evoluir e a contribuir para a sociedade brasileira.

Psicóloga clínica e institucional, atua na vara da violência doméstica e familiar de São José do Rio-SP; Pós graduada em TCC; especialista em saúde mental e Dependência química.